18 December 2008


Calçei as luvas de musgo para sentir o pulsar da terra...
Fechei os olhos devagar e acordei a meio do silêncio,
longe do tumulto do mundo...
Desejo fundir-me com a Natureza
que é tudo o que de mais profundo existe em mim...

4 December 2008


o Azul estava gelado entre o Vermelho e o Negro
o Vermelho abriu os olhos
o Negro disse algo incompreensível...
corriam em ritmos de violino...
as estrelas andavam nuas
eram cores vivas que se juntavam e dividiam,
se abraçavam e mordiam...
tudo para receber a Noite, bruxuleante
que vem como cisnes sedentos de Azul,
pingo a pingo
na volúpia do sangue
em cintilações Negras...

1 December 2008


evaporação
retirou o magro rosto da cinza
cobriu a nudez com o fúlgido temor
dos presságios
esmagando sob a língua o crepuscular
alfazema
recolheu o negro e húmido resplendor
dos cedros na concha das mãos
e no início da mítica noite ergueu
os braços
respirou fundo o quente olor da
madressilva
abriu as mãos ao vento derramando
sobre a cabeça a fulva beberragem
quando o hirsuto cabelo ficou atado
no esplêndido halo da água
já a parte ainda humana do seu corpo
ascendia
vagarosamente
ao perene bosque solar
Al Berto
in "A secreta vida das imagens"

30 November 2008



Para o Gotik

Para as palavras indizíveis, a imagem possivel...

17 November 2008

No indefeso Luar das florestas
as árvores são as mais luxuosas
portas do terror...
Despertam tépidos mistérios
subitamente iluminadas
por uma luz devastadora,
irresistível!...
Como um grito de brilho
no meio do silêncio...
Seres nocturnos persistem
como sinais de fumo
no ar...
no coração das trevas...
Eterno gozo ritual das Luas!

Palavras de Outono


No perfume leve e quente do Outono

Colhemos o odor das amoras,

O ruído dos insectos

que nos ensinam a limpidez do vento

que nos desperta palavras puras...

Respiramos o aroma vegetal,

o silêncio do fogo em volúveis labaredas

e a música do orvalho...

Quando sabemos que é dentro de nós

que a beleza principia...

*

* *

*


18 October 2008

O Perfume do Abismo



Nómada no infinito de uma cidade e de uma Noite

solto uma insinuação ao silêncio

simples

envolta em ironia

ou precipitado, uivado mistério...

Sinto uma alquimia que ninguém mas ninguém sente...

Presto culto à imensidão do céu

e da língua ingreme da luz

num abandono deslumbrado...

E o olhar caminha nas cinzas

entre cores, sedosos tecidos,

pequenas fibras de água...

Espero um leve sopro das palavras

e o perfume do abismo...


Foto de Howard Schatz

Se tenho as mãos ocupadas, escrevo com os olhos...

3 October 2008

22 September 2008


Eis-me. Estás em tua casa.A tua carne na minha carne. A tua boca bebe na minha garganta...Olha-me.Governa-me.Estás no interior de mim...Os sussurros são aves que enchem a sala...

Nocturna

Nocturna passageira
No embarque do sono...
Alucinante
Visionária
No desespero da utopia.
Libertária
Aventureira
Sexo imaculado
No libertar da loucura...

19 September 2008

Hummm...

"(...) A sua loucura tomava dimensões exorbitantes, coexistindo miscívelmente com a sanidade, formando um labirinto de situações e pensamentos fundidos com a consciência e a inconsciência. Não percebia padrões. Eles talvez nem existissem. As visões apanhavam a insanidade mental enquanto estavam fisicamente em contacto real. Os sonhos inexistiam na coerência real, mas brotavam da mais profunda reflexão racional. A tudo lhe foi possivel sobreviver, excepto à fusão final da loucura com a realidade. Agora apenas deixava o tempo passar diante dos seus sentidos e pensamentos esperando pacientemente pelas mudanças que saberia que não iriam aparecer. Esperar o inesperado. Objectivar com o resultado de uma profecia que nunca se iria concretizar. Tudo era a a única forma de se ser aquilo que se é. (...)


"Excerto do livro "Subterfúgios" de Bruno Miguel Resende.
http://liverdades.blogspot.com

Loucura... Why not?

“Há almas incuráveis e perdidas para o resto da sociedade. Suprimam-lhes um dos meios para chegar à loucura: inventarão dez mil outros. Criarão meios mais subtis, mais selvagens; meios absolutamente desesperados. A própria natureza é anti-social na sua essência - só por uma usurpação de poderes é que o corpo da sociedade consegue reagir contra a tendência natural da humanidade. Deixemos que os perdidos se percam: temos mais o que fazer que tentar uma recuperação impossível e ademais inútil, odiosa e prejudicial. Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos meios pelos quais o homem se tenta livrar do desespero.”

-Antonin Artaud-

10 September 2008

A Loucura

A loucura é a página em branco. É o vice-conceito da expressividade reprimida pelas razões quotidianas das certezas absolutas...Mas há uma asa delirante em cada argumento da razão que aguarda pelo momento de se esquecer... pelo momento de se perder sem explicações no caminho das incertezas, das dúvidas, das filosofias e da loucura de ser, compondo sempre esta ponte entre o possível e o impossível, abusando das possibilidades do impossível...





"E o que é um autêntico louco? É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceite, em vez de trair uma determinada idéia superior de honra humana. Assim, a sociedade mandou estrangular nos seus manicómios todos aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se, porque se recusaram a ser cúmplices em algumas imensas sujeiras. Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis."

(De Antonin Artaud - louco, marginalizado e incompreendido enquanto viveu)

25 August 2008

A Dream

A Dream In visions of the dark night
I have dreamed of joy departed-
But a waking dream of life and light
Hath left me broken-hearted.

Ah! what is not a dream by day
To him whose eyes are cast
On things around him with a ray
Turned back upon the past?

That holy dream- that holy dream,
While all the world were chiding,
Hath cheered me as a lovely beam
A lonely spirit guiding.

What though that light, thro' storm and night,
So trembled from afar-
What could there be more purely bright
In Truth's day-star?


-Edgar Allan Poe-

27 July 2008

O Silêncio da Noite



Noites belas e douradas
São testemunhas
De como me dispo e descubro
Na imensidão negra.
À Noite confio a minha Alma
os meus medos,
os meus desejos...
Ela ouve-me
Mas não me fala
Nem sequer me vê...
E, o seu silêncio,
É o prazer máximo da minha Alma.

8 July 2008


Rasgo o céu
Rasgo a carne
Percorro a Lua
Transponho o horizonte
Transpiro sentimentos
Lambo emoções
Rebolo na areia
Gemo de prazer
Vivo!

10 June 2008


Promíscuos tombam, num tropel de corpos, de pernas, braços
Bocas e cabelos, ancas e mãos, de línguas e gemidos...
uivos de espasmo, seios e tremuras...
Torcem-se os corpos, arfam e agitam-se, soergue-se e descaem,
A pouco e pouco vão ficando plácidos...
como que dormindo na difusa, anónima e divina
confusão final...
De súbito levantam-se, altíssimos
ao pé dos corpos que ainda jazem, trémulos...
Recortam-se na luz que irisa a negridão dos sexos
As gargalhadas tinem pela praia clara, lambendo a areia
que fica suspensa no limiar do vento...
Silvos ligeiros, lépidos, irónicos
alisam pela praia o que ficou dos corpos
areia remexida, vagos moldes de ancas e torsos,
calcanhares e braços
e até gotas dispersas do vertido amor...
Apenas o tinir das gargalhadas subsiste ainda
e o vulto que se espreguiça à beira da água...


20 May 2008

Manufacturamos Realidades


Damos comummente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do conhecido: se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora; se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida. Com pequenos malentendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças, e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres que brincam a ser felizes.
Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E, realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro.

Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua a ser a mesma, mas a forma, que a arte lhe deu, afasta-se efectivamente de continuar sendo a mesma. Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho. Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual, mas com a pressuposição de outro sentimento. E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento.


Fernando Pessoa, in "O Livro do desassossego"